sexta-feira, 20 de novembro de 2009

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

É provável que a partir do dia 20 de novembro de 2010 o dia da consciência negra entre em nosso calendário como feriado nacional. Longe de ser um dia que apenas nos afasta do espaço do trabalho, alguns feriados ganham conotação política, isto é, são sancionados com o intuito de reservar um momento para focar a atenção nas questões que a data suscita.

Porém, o dia da consciência negra, independente dessa decisão, representa um momento em que se pensa e elabora ações coletivas sobre as questões que envolvem a história do nosso país, para pensarmos as questões raciais de forma mais ampla, enquanto teoria e prática que nortearam e norteiam a história da construção identitária do Brasil. Pensar as questões racias, transversalizadas pelas questões de gênero, classe, orientação sexual, geração, significa dizer que as práticas sociais possuem uma complexa rede discursiva, de  multifacetadas leituras, que materializam a complexidade das relações por meio da qual o exercício do poder e do controle são estabelecidos.

Acordar no dia 20 de novembro é pensar em um percurso (ou vários), nas maneiras de tratarmos por meio das várias formas de linguagens, como dizemos, externamos, valores (nem sempre "nossos"), preconceitos, visões de mundo. Mas acordar no dia 20 de novembro pode ser ainda um momento de aprendizagem, de reavaliação da linguguagem.

Certo dia, no Posto Médico do Curuzu, o acompanhante de um paciente se dirigiu a um funcionário público dizendo: "ele deitou na maca na raça". O funcionário corrigiu-o educadamente e de forma quase imperceptível reescreveu politicamente a sentença: "...à força". Nesse breve episódio, exercitou-se a consciência política racial e, neste sentindo, educou-se. A consciência negra parte, sobretudo, dos pequenos gestos cotidianos. O funcionário era negro e o paciente branco. Ambos, sem dúvida, foram tocados pelo gesto. A substituição da palavra "raça" pela palavra "força" parece ter sido usada para  desvincular a noção de raça à idéia de "ser forçado a fazer algo", aludindo pejorativamente ao fato histórico dos negros não quererem realizar determinado trabalho exigidos pelo branco em tempos de escravidão. A frase hoje é aplicada indistintamente da cor da pessoa, mas quando é enunciada, atualiza a concepção, a ideologia que norteou e sedimentou as relações de opressão racial no Brasil.

O funcionário do Posto do Curuzu, por meio de seu sublime gesto, representa hoje a voz de todos aqueles que em seu cotidiano lutam para que as formas de dizer sejam vistas, reavaliadas, a fim de que as práticas também mudem.

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